1
Tem gente que não consegue
entender uma ironia.
Já vi mulher dar a bênção
ao ser chamada de “tia”!
2
Usar o diminutivo
nem sempre mostra carinho.
Quanto não há de desprezo
quando se diz “Pobrezinho...”!
Coitado do verbo “ser”!
Tão virginal e pudico,
foi incluído no grupo
dos verbos “copulativos”.
4
O hiato no casamento
daqueles dois é assim:
quando ela hoje diz “ai”,
ele diz “não estou a-í”.
5
A crase é o pesadelo
daquele pobre rapaz.
Nunca entendeu como um “a”
pode ser também dois “as”.
6
Outra coisa, na gramática,
lhe parece não ter nexo:
como é que uma palavra
pode ser um “objeto”?
7
Se o que foi deixa saudade
e nos faz doer o peito,
como é que pode o pretérito
ser chamado de “perfeito”?
8
Gramática e amor se bicam.
São como fé e ciência.
Não dá pra dizer “Te gosto”
sem massacrar a regência.
9
O verbo é o centro de tudo
(a base da oração),
mas concorda com o sujeito
mesmo contra a opinião.
10
Falar em sujeito oculto
é dar um tiro no pé.
Se está oculto, por que
sempre se sabe quem é?!
11
O oximoro nem sempre
altera a lógica e o siso.
Alguém pode, endinheirado,
não passar de um pobre rico...
12
Na gramática da vida
nem tudo é bem arrumado.
Nela sobram os sujeitos
a quem faltam predicados.
13
Que diria a interjeição
se a nós ela falasse?
Que a dor e a alegria
filiam-se à mesma classe.
14
A língua define o “gênero”,
que hoje é vago e incerto.
Ao registrar a criança,
é bom deixá-lo em aberto.
15
Não dá pra compreender
(a não ser por masoquismo)
que alguém prejudicado
“corra atrás” do prejuízo!
16
Cabe na polissemia
esta fatídica trapaça:
quem mais faz graça da vida
é quem nela não vê graça.
17
Às vezes a homonímia
deixa a gente numa boa.
Coroa minha autoestima
quem me chama de coroa.
18
Se um só ponto já basta
para fechar a sentença,
como é então que três pontos
indicam uma... reticência?!
19
Não se acentua oxítono
terminado em “i” e “u”.
Só mesmo “tomando uma”
para acentuar “Pitu”!
20
Nem toda metáfora é nobre.
Quando ele a chama de “anjo”,
quer que ela abra as asinhas
e acolha seus desarranjos.
21
O melhor do paradoxo
é o que dele está além.
Vê mais longe quem percebe
que a multidão é ninguém.
22
O tal “plural da modéstia”
é conversa pra bocó.
Onde é que se mostra humilde
quem diz “Somos o melhor”?!
23
“O mundo é dos mais espertos”
– eita eufemismo dos bons!
Pois se quer dizer, decerto,
que este mundo é dos ladrões!
24
Foi pela sinestesia
que ela matou nosso caso:
o olhar endurecido!
o sorriso enregelado!
25
Palavras mudam de classe.
Mas quem vai reclamar disso
quando a garota lhe dá
um “sim” bem substantivo?
26
No capitalismo é assim: enquanto uns têm
venda nos olhos, outros têm os olhos nas vendas.
27
Se o professor lhe pergunta
o que é aliteração,
ele tateia, tropeça,
tremelica – e não diz não!
28
Por pensar que antonomásia
fosse o nome da inspetora,
ele hoje é conhecido
como “o Bobo da Escola”.
29
Um caso de metonímia
é o que ocorre nas bodas.
Pede-se ao pai da moça “a mão”,
e fica-se com ela toda!
30
Imitar o som do grilo
é só onomatopeia.
Já ouvir alguém cricri
é de torrar a ideia!
31
Por verbos defectivos
nem sempre tenho respeito.
Quando estou “com o cão no
couro”,
eu lato, zurro e trovejo!
32
Na língua se acha o tal,
porém não passa de um
tonto,
pois decora os coletivos
mas não sabe usar o ponto.
33
Se a metáfora é um clichê,
perde a beleza e o frescor.
Evite dizer que a moça
de quem gosta é “uma flor”.
34
Muitos usam da hipérbole
sem temor ao destempero.
Eu sou o único no mundo
que não cometo exagero!
35
Explicando o arcaísmo,
disse-nos o lente, à
sorrelfa:
“Português bom e castiço
é o que de antanhos se
mescla...”.
36
O quiasmo é a inversão
das palavras em espelho.
Entendê-lo não é difícil.
Difícil é não entendê-lo.
37
Reflexão crucial
que a paronomásia inspira:
há momentos nesta vida
em que a gente ou para, ou pira!
38
A prática do intertexto
não vai alterar o jogo.
“Minha terra tem palmeiras”,
mas meu time é o Botafogo.
39
Só a palavra-centauro
traduz bem a alternância
entre ansiedade e espera
em que me encontro: esperânsia.
40
Se quer dar ao seu leitor
uma escrita clara e reta,
do hipérbato não abuse.
Prefira a ordem direta.
41
Seu desprezo é um pleonasmo
que a mim irrita e maltrata,
pois ela fica em silêncio
e não diz uma palavra!
A imagem do anacoluto
figura o meu abandono:
a moça, não se lhe dá
se me faz perder o sono...
43
Quando
o mestre falou “zeugma”,
quase nos deixou sem voz.
Não entendemos a ele;
muito menos ele, a nós.
44
O verbo é impessoal
se alude à natureza.
No entanto sei de gente
que, ao se zangar, troveja!!
45
O abandono do trema
gera confusão por quilo.
Como, sem o tal sinal,
vou pronunciar /trankuilo/?
46
Não há muita coerência
na divisão do artigo:
“o homem” indica o geral,
e não um certo indivíduo!
47
Quando se trata de hipérbole,
dar o desconto é preciso.
Quem diz que “morre de amor”
demonstra que está bem vivo.
48
Quem usa tempos compostos
flexionando o particípio
certamente em outros
tópicos
mais erros tem cometidos
49
Se desconhece a hipálage,
você vai achar sem jeito
dizer-se, de uma pessoa,
que “enfia o anel no dedo”.
50
O epíteto de natureza
faz parecer desvario
alguém que está à mesa
pedir um gelo “bem frio”!