quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Dual

Do que me lembro, esqueci.
Parti para onde me encontro.
Conheço quem nunca vi.
A lucidez me faz tonto.

Piedoso na inclemência,
sempre a perder o que ganho,
sou ativo na indolência,
e nos meus feitos, bisonho.

Professo a fé na descrença.
Costumo voar no chão.
O que me cura é doença,
e me dói quando estou são.

Pervertido querubim,
sou sincero na trapaça.
Não abdico de mim,
mas cedo só de pirraça.

Qual garimpeiro sem mina,
prossigo por uma estrada
que começa onde termina
e, ao final, dá em nada.

Tingimento


Pintar de preto o cabelo
é como esconder na treva
(em vão, precário disfarce)
um campo onde à noite neva.

Logo ao vento da manhã
desfaz-se a negra tintura,
e o sol, com dedos irônicos,
revela e amplia a brancura.

Escolha

            A solidão é meu retiro.            Ao burburinho surdo e vão            de tantas falas sem sentido,           prefiro ouv...