terça-feira, 21 de maio de 2019

Quadras

Tudo tem o seu contrário
(infeliz é quem não sabe):
cada dor, sua alegria; 
cada instante, a eternidade.

                   2
Uma lição para a vida
que o São-João sempre me passa:
quem hoje acontece e “bomba”
amanhã vira fumaça...

                  3
Tem gente que se acha o tal
pelo que diz conhecer.
Sabe tudo sobre a vida,
porém não sabe viver.

                 4
Essas meninas de hoje
como evoluíram, vixe!
Antes liam “Sétimo céu”,  
agora querem ler Nietzsche!

                 5  
O paradoxo do tempo                            
revela-se bem no espelho:
o  ano que chega é novo,
quem nele se mira é velho.

                 6
Quanto mais eu excogito,
menos entendo esse povo.
Só vai à missa aos domingos
pra poder pecar de novo!...

                 7
Há quem por inépcia, ou medo,  
o trem da vida perdeu.
Encontra-se neste mundo, 
mas ainda não nasceu.

                  8
A morte é grave e solene 
em seu fundo desatino,
mas se morre um humorista, 
ri-se de nós o destino...

                  9
Todo machão que se preza  
em bom garanhão se arvora.  
Vive à cata de uma brecha
pra mostrar que não é brocha.

                 10
          Pelas notas que se calam
          sepultando a melodia,
          faz-se mais triste o silêncio 
          quando um cantor silencia.

                 11
Por mais que eu mexa e remexa,
não me livro deste fado; 
tenho feito tantas quadras,
que já me sinto quadrado.

                12
Nesta noite de São-João
eu só peço ao santo a graça
de me livrar de barulho,
arrasta-pé e fumaça...

                 13
Do que aprendi com os outros,
a maior parte me escapa.  
Já nas coisas que ignoro   
me sinto um autodidata!

                 14
Foi-se o tempo do namoro,
do sonho, do romantismo,
mas essa realidade
         fez o nosso amor mais vivo!

                  15
“Vasto mundo, e eu tão pequeno!”
-- digo isso alto e bom som.
Para não tomar veneno,
vou tratar de ler Drummond.
           
                            16
         Para ter junto quem foi
         não preciso ouvir a voz; 
basta evocar a lembrança:
não morre quem vive em nós.

                  17
O que há de pior no remorso
e o leva a doer assaz
é do mal que se pratica
não poder voltar atrás.

                 18
Amor é rede(moinho)
que, imune a convulsão,
deixa os dois bem num cantinho
e aquieta o coração.


                   

domingo, 19 de maio de 2019

Último credo


A morte é a ausência da falta.
O augusto império do nada.

A vida que se desperdiça
por inépcia, volúpia
ou desejo de sobre os outros triunfar
não se resgata no além.

Os mortos não têm alma,
têm só a profunda calma
do desejo exaurido.

Ninguém precisa acreditar
em outro mundo para se tornar melhor
(nem sempre os que vão à igreja
são as melhores pessoas).

O justo salva-se aqui.
O injusto aqui se dana.
Não tem para onde ir
quem desta vida reclama.

sábado, 18 de maio de 2019

O mito e o risco

Todo mito
passa um pito
nos que lhe entoam benditos.

O mito só faz sentido
quando a olhos comovidos
disfarça, sem alarido,
o seu avesso escondido.

Os que o consagram nos ritos
(com mãos postas, ar contrito),
se o vissem desvestido
da aura que o mantém vivo,

teriam, desiludidos,
que mudar o veredicto
e procurar outro arrimo
para seus ermos espíritos.

Não pode viver sem mitos
o homem — ser tão restrito,
que deles subtraído
erra no Nada infinito.

E dessa carência, o risco
(ante o anseio mofino
de a tudo entoar um hino)
é perder o senso, o tino,
privar-se do humano exílio,
que o põe além dos bichos.

O outro

O demônio que me habita
é o melhor de mim.

Ele me faz desagradável
aos outros, e tenho que me tornar brando
para disfarçá-lo (quanta delicadeza
na máscara angelical!).

O demônio sabe o que eu
não sei, magoa-me com o seu negro
ceticismo.

Mas há momentos em que rimos juntos
(por isso digo que ele é o melhor de mim).

Caminho

Invento minhas orações
à medida que penso.
Pensar é rezar fora da igreja.

Cada qual tem sua religião,
que o guia de dentro para fora
(talvez a melhor maneira   
de viver aqui e agora).

Nem todo roteiro é bom.
Nem todo porto é seguro.
E às vezes o que acalma
é vão ou impuro.

Ainda assim prossigo
(árbitro de mim)
tangenciando o abismo
sem fim.

Descoberta

Enterrei meu pai em mim.

E hoje à beira do seu túmulo
(que sou eu)  
choro lágrimas que não tenho,
rezo a prece que não digo,
ouço a voz que me calou.

Um no outro soterrados,
descobrimos o amor.

Haicais de Ano-Novo


                1
Ano-Novo é tempo
de muitas promessas:
bolhas de champanhe.

               2                                
Na canção do tempo
falta uma nota só.
O tempo não tem dó.

               3
Bom é entrar num novo ano.
Ninguém se importa
de passar em branco.


Poeminha de Natal

O amor dá frutos
na árvore da sala.
Entre rumor e silêncios,
o coração fala.

Pouco importa
se é ou não sincero
o que ele diz;
aquém da porta,
a ordem é ser feliz.

(Triste de quem, do lado de fora,
vaga sem rumo nesta hora).

Aos mortos de Brumadinho


                  1
A lama envolve os cadáveres
e deles não abre mão.
Talvez deixá-los sepultos
fosse a melhor opção.

Fazê-los dormir no barro
— germinante paraíso —
seria prover a lápide
adequada ao sacrifício.

Evitaria que logo
se apagasse da lembrança
a história dessas mortes
— ou melhor: dessa matança.

             2
Com tanta lama,
como lavar a alma
de quem chora e clama?

A Denise, aniversariante

Mais um ano se soma à tua história 
-- um ano, como sempre, partilhado  
entre os que de tua alma generosa
recebem o pronto e essencial cuidado. 

Tudo que te deseje nesta hora      
pouco dirá do que o coração sente,
pois é difícil presentear agora
quem entre nós sempre se fez presente.

Quisera, nesta data tão querida,
em contraste com teu pendor discreto, 
engrandecer-te na justa medida

e assim reafirmar, estando perto
de ti, que nas errâncias desta vida
és o conforto do caminho certo.

Quadras natalinas


                   I

“Coração oposto ao mundo”,
diz o poeta. E me calo.
Só protegendo-se do homem
é que é possível amá-lo.

                 II
O peru, ninguém discute,
é o imperador da festa.
A despeito dessa glória,
ele no fundo a detesta.

               III
Tantos votos recebidos
de variado tom e jeito.  
Mas não se ache escolhido,  
pois a glória é do Eleito. 

Haicais natalinos


          I
Sincero ou não,
o “Feliz Natal”
vem do coração.

          II
Noite Feliz.
Mas o amor
não deu pra quem quis.

Eterno retorno



Ao deparar com a sucessão do tempo, 
o homem se amedronta e se apequena.
Pensa na morte – o vão coroamento
que o destrói ao lhe apagar as penas.   

Procura então com o véu da fantasia
escapar ao rigor da natureza,   
que o põe no mundo para que um dia
retorne a ela (essa é a certeza).

Para curar-se, enfim, da vã loucura   
de ser perene, suplantar a idade,       
em meio ao tempo que tudo tritura,  

bastara-lhe meditar nesta verdade:  
se o transitório habita no que dura,   
é no instante que mora a eternidade.

Noite Feliz


Uma noite somente para o abraço,
para entoar a velha melodia
que nos envolve em amoroso laço.
Uma noite – e desfaz-se a fantasia!

Não basta à nossa fome de carinho   
a centelha que brilha nessa orquestra
de risos, cumprimentos, atavios,
e se consome ao terminar a festa.

Esse mínimo, porém, é que nos cabe     
por consentirmos que os desencontros  
façam que ao bem se sobreponha o mal.

Será que nunca ficaremos prontos
para que a dádiva de amor se alargue
e toda noite seja de Natal?

Tristezas de um país minguante

(à la manière de Augusto dos Anjos)

Por forças obscuras convocado,
disponho-me a sair deste meu sono
a fim de denunciar o abandono
em que o meu país está jogado.   

Onde estou reverberam os reclamos 
de uma nação que vê, estupefata,
sua honra consumir-se na bravata  
de mil ardis e mil torpes enganos.

O mal que a acomete é como a goela
omnívora de um bicho insaciável
que tanto mata o pobre, o miserável,
quanto espezinha a triste classe média.

O germe dessa força deletéria   
que a cada dia mais nos envergonha   
já se disseminava na Colônia
qual torva e renitente bactéria.
  
Seu nome bem se sabe, pois permeia  
quase todos os níveis da nação:
é a atávica e mórbida corrupção,
contra a qual não há rito nem cadeia.

Ela se manifesta, com acinte, 
em nível bem maior que o original,   
pois já tivemos um outro Cabral
para pilhá-lo com bem mais requinte!

Dali e d'Além


Com o nome de Salvador,
ele se queria Deus.
Então um milagre obrou
(para espanto dos ateus).

Quando seu corpo exumaram,
deu-se o fato surreal,   
que os que por lá estavam 
dizem não ter visto igual:

em meio ao corpo que some
(vejam bem se isso pode!),
a terra, que tudo come,       
não lhe alterou o bigode!!

Desproporção


Todos querem o impossível
– eu prefiro o já testado.
Todos buscam o rumo certo
– eu sigo desgovernado.
Todos lutam por poder
– eu me aceito deserdado.

E se tal os surpreende,
lhes digo o claro motivo  
de tanto desprendimento:
é que quanto mais se tem,
maior se torna o vazio  
que a gente sente por dentro.

Passagem


Antes, o amor é lindo. Depois, o amor
é findo.
De comum entre os dois instantes
só essa fina rima em “in”
-- rastro sonoro da vida se indo.

Moto contínuo


Enfronha-se para dormir,
mas é duro o travesseiro.
O corpo nega-lhe o sono 
e o repouso do guerreiro.
          
Entre a cama e o descanso,  
lembranças, sustos e medos!
Nem precisa adormecer 
– vive em claro os pesadelos.
 
E quando surge a manhã,
leva o corpo revolvido
à sanha de mais um dia  
(rotina de morto-vivo).  

Dúvida


Sexta-feira da Paixão.
Em meio à lama de tanta delação
e de outros vícios,
Deus nos contempla lá do céu
e se pergunta:
“Terá valido o Sacrifício?!”.


Quando eu não for mais


Quando eu não for mais,
não terei saudade alguma de ter sido.
Não sentirei a falta, nem a morte,
pois para senti-las é preciso estar vivo.

Apenas os que me conheceram
saberão que fui (mas não quem fui:
esse mistério morrerá comigo).

Saber-se ausente é impossível.
Quem sabe de alguma forma está presente
(do contrário, não teria como saber).

Ser ausente é ter a inconsciência de não estar
(no mundo ou em qualquer outra esfera)
e nada sofrer com isso,
pois consciência e dor
são faces do mesmo signo.

Em tempo


O rio do tempo
como líquida estrada
vai tocando a vida    
rumo à foz do nada.

E nessa viagem
nada principia
que não se desfaça     
(tarde ou não o dia).

Carpe diem

Ao fim da vida gongórica,
quis estampar no seu túmulo
uma inscrição retórica.

Cunhou a frase bombástica
com verve, capricho e nítida    
intenção encomiástica.

Mas veio o destino sádico
e sem rumor nem estrépito
(mas dos seus desígnios ávido)

fez que lá chovesse a cântaros:
a água, num fluxo intérmino,
afogou como num pântano

aquele ornamento gráfico.
Agora lhe enfeita a lápide 
só o silêncio sarcástico!

Proposta


Não há mistério além da voz 
nem outra vida que compense
o que não foste nem fizeste
num mundo em que vagamos sós.  

É tudo aqui e para sempre.
É tudo agora e neste espaço.
E o sonho teu de transcendência
só repercute o teu fracasso.                

Abre teus olhos, não te iludas
em buscar longe a salvação.
Se queres mesmo redimir-te,
esquece o céu, contempla o chão.

O quarto

A mãe na UTI,
ele sente o desamparo
de quando era menino.

Viveu tanto, hoje é um senhor,
mas ainda se assusta com a possibilidade de perdê-la.

Como se o tempo não tivesse passado,
e à noite, na solidão do quarto,
ele esperasse pelo seu carinho para adormecer
(a noite cheia de fantasmas, mas nenhum tão assustador
quanto o que agora se prenuncia).


Tempo e imagem


Chorar o tempo perdido
não traz de volta o passado.
Tampouco sabê-lo findo
nos deixa mais conformados.
            
Ninguém redime ou resgata   
a essência de um instante.
Há, contudo, nesse nada
um aceno triunfante. 

Se tudo é a soma daninha
de agoras que se consomem,
o futuro se adivinha
no turvo espelho do ontem.

No dia dos pais


Ser pai é padecer no crediário
e assumir o duro compromisso   
(seja grande ou pequeno o seu salário)  
de dar à casa o que for preciso.

É ser da mãe um pálido coadjuvante
no crucial e biológico enredo;
e como recompensa, em tal instante,
sentir-se “grávido” só por arremedo.    

É privar-se de jogos e cerveja,
mostrar-se duro mesmo que não seja,  
suportar o Complexo de Abraão.  

E à noite, sozinho no escuro,   
imaginar se os filhos, no futuro,   
vão dizer que cumpriu sua missão.

Ícone


Diante de ti,
quedo e comovido,  
vislumbro o espaço  
de que estou proscrito.

Tua plenitude,
simétrica ao vazio
em que me debato,
é como a de um rio

que desdobra o tempo
para além do fim. 
Faz sonhar o sempre
no que morre aqui.
 
O que és não importa,
mas sim o que vejo
na fome infinita
com que te desejo.

Conselho


O mundo não tem sentido
e nada faz para o ter.
A ele é indiferente
nosso esforço de entender.

As coisas são, simplesmente,
e não ver isso é doença.
Pouco importa à natureza
a angústia de quem pensa.    

Deixa de lado a procura.
Faz como os outros, aceita.
Talvez seja esse o caminho.
Talvez seja essa a receita.

Mas se insistes na busca
e aqui nada te acalma, 
finge que num outro mundo
terá sossego a tua alma.

Sem rota


A vida é uma viagem
que se faz sem fazer.
Não há lugar de onde se parta
nem aonde se chegue.
É tudo aqui e nunca.

Os que pensam viajar 
não saem de onde estão,
e nesse permanecer
é que eles vão.   

Os que não querem partir  
também assim viajam,
pois, saia-se ou não,
sempre se está a caminho.

De onde, não se sabe,   
já que não há roteiro.   
E a morte colhe, indiferente,  
quem imagina conhecê-lo.

Para Denise, em seu aniversário


Festeja mais um ano quem, um dia,
conheci no frescor da juventude
e se fez minha doce companhia     
“na tristeza, na dor ou na saúde”. 

Não poucas vezes me indaguei, medroso,
o que no rosto lhe faria o tempo;    
se a beleza, à força dos desgostos,
dele se iria como o pó ao vento.

Percebo agora, tantos anos idos,  
que esse temor carece de sentido    
e que era vã a minha fantasia,

pois a beleza não se desfigura     
quando a anima, retoca e apura    
outra maior, que dentro se irradia.  

Soneto zangado


Se você permanece indiferente
à  dor dos outros; se mente sem pejo;
se para  ter vantagem até consente
em (como Judas) disfarçar um beijo;  
                 
Se prega a honestidade mas, no escuro,
age como uma ave de rapina,
roubando aqueles que batalham duro
por meio do conchavo e da propina;

Se pensa que toda mulher é fácil;    
que o estudo é coisa de pascácio
e basta ter dinheiro pra vencer,

então, amigo, pode ficar certo
de que você, com esse jeito esperto,
não passa de um grande efedepê.

À mulher, no seu dia


Dela aprendemos o amor
na sua vária expressão.
Seu melhor símbolo é a flor,
que orna o altar e a paixão.

Irmã nas horas extremas,
fonte de dor e de gozo,
merece mais que um poema
quem da poesia é o pouso.

Se, talvez, por sua arte,     
fomos do Éden banidos,
basta que ela nos abrace 
para sermos redimidos.

O menino e o velho


A soma dos contrários rege a vida
e a tudo imprime o seu variado aspecto.
Assim é que, a toda despedida, 
corresponde também um recomeço. 

E a todo olhar brilhante de alegria
subjaz uma nota de tristeza;  
como ao feio, que às vezes horroriza, 
deve mesclar-se um fundo de beleza.

Não há quem desse dualismo escape   
e dentro em si não perceba o contraste,
que é a própria essência do viver.

Também em mim provei tal desatino,    
pois se hoje persisto em ser menino,
bem cedo comecei a envelhecer.

35 anos de casamento


Nossas Bodas de Coral
celebramos sem alarde
nem receio do futuro.

Disse o poeta, afinal,
que o amor começa tarde.
(e o tempo o faz mais puro).

Quadrinhas carnavalescas


Carnaval, festa da carne?
Quem quiser que acredite.  
Com essa inflação danada, 
nem dá pra comprar um bife!

                   II
Em tempo de mascarados, 
cada qual quer ser um estouro. 
Quem mais vai se ver na rua
é o Japonês e o Moro.

                  III
Chega de bancar o tolo.  
Não vou mais cair no passo.
Já passei o ano inteiro
fantasiado de palhaço.

                  IV
Carnaval, epidemia
de alegria e de loucura  
-- e também de Aids, zica
e essa tal de chikungunia.

                 V
Todos dizem que bom mesmo
é o Carnaval que passou.
Todos -- tanto o folião,
quanto quem nunca brincou
      VI
Pierrô, amargurado,  
procura pelo seu par.
E Colombina, com outro,
vai deixando-o se cansar.
                     
               VII     
Bom mesmo é curtir a festa
devagar, no meu cantinho.   
Enquanto a turba se esbalda,
vou no bloco do Eu-Sozinho

Dominical


Uns estão na igreja,
outros no bar
(duas formas de preencher o vazio).
Depois será o duro despertar
para mais uma semana
de gestos profanos e frios.

Mãe e amor


O amor encontra nas mães
a sua expressão mais pura.
É amor sem cálculo, risco,
sem limite, sem usura; 
certo como a natureza,
profundo como a loucura.

Amor que ultrapassa o tempo,
pois não depende de prova;
que na força dos eventos
hoje e sempre se renova.

Amor incondicional,
antigo e sempre moderno,
que parece ser gerado
no ventre mesmo do Eterno.


Soneto de Ano-Novo


Ano-Novo. E sempre, nesta data,
em meio à correria que não cessa,
buscamos (com uma ponta de trapaça)
renovar os desígnios e promessas.

O que não fomos, por preguiça ou medo,
seria, enfim, agora resgatado,  
e nos parece que ainda é cedo
para viver o antigo sonho adiado.
           
Melhor seria nada prometer
para não virmos nos arrepender  
quando chegar o fim do novo ano,

mas é próprio das nossas ilusões
arquitetar grandes resoluções
e vê-las ruir por voluntário engano.

Aceitação


Estar aqui é por pouco tempo.
Sei disso e não lamento.
Nada que existe se eterniza,
e daí vem nossa grandeza: 
arder como uma lâmpada 
enquanto está acesa.     
            
Querer mais do que isto só revela 
a incompreensão do que é a natureza.

Dalila


Minha cadela, velhinha,   
já não late   
e  mal se mantém de pé.
Quando anda, esbarra em paredes e móveis.

Se sente dor, não protesta,
e o pouco que come
parece que é para nos contentar.

Mas tem um ar de resignação
quase alegre, 
como se soubesse que só a morte
a libertará da execração do tempo.   

Sábia, a minha cadela
me dá lição de morrer.

Escolha

            A solidão é meu retiro.            Ao burburinho surdo e vão            de tantas falas sem sentido,           prefiro ouv...